segunda-feira, 23 de junho de 2014
Ingeborg Bachmann
Medos (1945)
E o que é que vai ficar?
Suspiro, sofro, busco,
e minhas caminhadas
nunca findarão.
A sombra escura
que já persigo desde o começo
leva-me a profundas solidões invernais.
Lá eu fico quieta (…).
Fantasmas azuis saltam para o aposento.
Os que partiram, perdidos diante de mim,
Exigem como homens um antigo direito.
Agora são pagos com flores
que viram muitos verões
e que neste inverno caem irrompendo.
As árvores aninham frio diante de si
e lágrimas, que me atraiu o brilho da lua,
pendem no gelo como espigas secas.
Assim, como ali, sobre o iceberg,
os há muito falecidos escorreram seu sangue,
eu os sigo, para fazer o mesmo.
Ouço os séculos em minha direção
E não quero estar lá apagada inteira.
A sombra, que tão longe quer ir,
tento oprimir com meu rastro
apenas temendo desperdiçar-me
em vão.
(Do espólio – Tradução Claudia Cavalcanti)
Uma espécie de perda
De uso comum: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as xícaras de chá, a cesta de pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Uma ordem doméstica respeitada. Dito. Feito. E sempre a mão estendida.
Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por verões.
Por mapas, por um canto na montanha, por uma praia e por uma cama.
Mantive um culto a datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei um algo e fui devota de um nada,
(- do jornal dobrado, das cinzas frias, do papel com uma anotação)
sem temer a religião, pois a igreja era essa cama.
Minha inesgotável pintura surgiu de olhar o mar.
Da varanda saudava os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, meus cabelos tinham sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme para minha alegria.
Não foste tu que perdi,
mas o mundo.
"uma tradução é um outro livro" (Thomas Bernhard)
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