terça-feira, 16 de março de 2010

"conversa paralela"

Não posso dizer que seja frequente, mas às vezes me acontece de, durante o trabalho, ficar perdida em pensamentos e vir a vontade de escrever umas coisas. Hoje, por exemplo. Eu estava na biblioteca às voltas com um trabalho que tenho de entregar amanhã. O silêncio não era total mas estava de bom tamanho. Ouvia até mesmo uns pios de passarinho vindo das árvores próximas ao casarão. No geral o ambiente era perfeito, e o livro em que eu trabalhava era muito inspirador, e chegava a ser difícil me concentrar no lado técnico da coisa: a vontade era de me deixar levar, sem ter de pensar em pontuação, ou estrutura de frase, ou colocação de pronome e todo o resto. Só que enquanto lia o texto meio seduzida e ao mesmo tempo tentava me concentrar nesses aspectos menores mas necessários da língua, uma conversinha paralela - os tais pensamentos - começou a surgir dentro da minha cabeça. Uma conversinha que eu tentava abafar para não atrapalhar a concentração, mas que vinha justamente a propósito do que estava a ler. Conseguia às vezes, não conseguia outras.
O facto é que por isso o trabalho rendeu menos: se ontem li umas tantas páginas em pouco mais de três horas, hoje levei quase toda a tarde para ler, em quantidade, menos que ontem. Isso porque a tal conversa paralela frequentemente me obrigava a ler e reler as frases pra ver se estava tudo no lugar certo.
No entanto o livro acabou, e o trabalho será entregue na data marcada.
E agora estou a pensar que essa "dispersão concentrada" (ou concentração dispersa?) de hoje deve ter sido provocada justamente por o livro estar no fim. No fundo, resistia a que esse prazer que se foi entranhando na minha rotina da última semana terminasse pela imposição de um prazo.
E a tal conversa paralela não era mais que um dado subversivo, uma resistência ao fim.

Fazer a revisão de livros que acabamos por adorar, mas que não podemos ler, simplesmente, sem a presença do "olho técnico".

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