domingo, 16 de outubro de 2011

Coisas esquecidas no meio dos livros - 2


Foram mais de trinta anos de intervalo entre o começo da leitura e o retomar da mesma. Uma vida... O que será que me faz ter novo entusiasmo por um livro abandonado por tanto tempo? Talvez antes não o compreendesse devidamente. Ou os motivos do entusiasmo inicial fossem frágeis.
O facto é que por um acaso reencontrei-o numa estante. E agora, enquanto o lia com renovado interesse, mas ainda com algum descompromisso, descobri entre as páginas um extrato bancário de 1980, em nome de um amigo a quem um dia emprestei o livro. Por conta do simples pedaço de papel vieram de uma vez mil memórias associadas. O livro adquiriu imediatamente, e além de tudo, novo significado.
Desta vez trouxe-o comigo.
Desta vez vou lê-lo até ao fim.

O livro: Memórias, Sonhos, Reflexões
Autor: C. G. Jung
Compilação e prefácio de Aniela Jaffé
2ª edição
Editora Nova Fronteira
Rio de Janeiro, 1975

para compreender as grandes criações

Stefan Zweig (Viena, 1881 - Brasil, 1942)

"... e subscrevo as palavras de Goethe, segundo as quais, para compreendermos inteiramente as grandes criações, não basta vê-las só no seu estado perfeito, temos de surpreendê-las também à medida que se vão constituindo. Mas do ponto de vista óptico, um primeiro rascunho de Beethoven, com os seus traços impetuosos, impacientes, com a desordenada confusão de motivos iniciados e abandonados, com a fúria criadora da sua natureza a transbordar de demoníaco, comprimida nuns quantos riscos feitos a lápis, também me estimula fisicamente, porque o seu aspecto espevita todo o meu espírito; consigo ficar a olhar para uma tal página hieroglífica com o encanto e o amor com que outros apreciam um quadro acabado. Uma página de Balzac com correcções, onde praticamente cada frase se encontra dilacerada, cada linha revolvida, a margem branca mordiscada a preto por traços, sinais, palavras, torna-se perceptível a erupção de um vesúvio humano; e um qualquer poema que eu tenha amado durante anos e que veja pela primeira vez no manuscrito original, na sua primeira manifestação terrena, desperta em mim um sentimento de religiosa veneração; (...)."

Citado do livro O Mundo de Ontem – recordações de um europeu, p. 183
autor: Stefan Zweig
tradução de Gabriela Fragoso
Editora Assírio & Alvim
Março de 2005
Lisboa

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