"Eu gosto de ler livros. Parece besta e óbvio usar uma frase dessas para inaugurar um blog sobre livros. Mas é coisa comum encontrar por aí quem vive de livros mas nunca os lê.
Eu gosto de ler livros desde os três, quatro anos. Minha mãe, ex-professora do antigo primário, tem o hábito extravagante de alfabetizar crianças cedo demais. Fez isso com meu irmão antes de mim e agora com meu sobrinho, que completou cinco –“Tiago já está lendo tudo!”, ela me disse ao telefone, e repetiu três vezes.
Eu gosto de ler livros pois certo dia meu pai chegou em casa com um volume que me pareceu colossal: “A Morte e a Morte de Quincas Berro D´Água”. Achei ingenuamente que o tal homem que renascia era um tipo de herói, desses de epopeia grega. Foi o primeiro livro de adultos que tentei ler a sério e desde então me acompanha sua frase mais conhecida, a de Quincas no cais antes de cair no mar: Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há.
Eu gosto de ler livros e por isso, com sorte, fui trabalhar com eles. Aos 17 anos, fiz a primeira resenha no susto. Um professor da faculdade era também editor do suplemento literário. Flori me entregou o embrulho e disse – “ó, duas laudas, para segunda. Se não me trouxer, ponho um calhau e digo que a culpa é sua.” [calhau, no jargão da redação, é algo que se arranja às pressas para tapar o buraco de um texto que não chegou.]
Escrevi sobre livros no meu começo no jornalismo. Mas depois fui trabalhar com assuntos internacionais e economia. Quando achei que nunca mais faria algo com eles, me tornei editora-assistente e depois editora de uma revista de livros.
Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há. Gostava muito do finzinho, “impossível não há”, que funciona como incentivo para tentar alguma coisa bastante difícil. Até brincava de dizer o trecho para uma amiga, que o retribuia –ela também adorava a frase desde criança por causa do pai.
Só muitos, muitos anos depois, e passadas várias mortes, minhas e dos outros, entendi que a melhor parte é, caramba, a primeira. “Cada qual cuide de seu enterro”. A linda novelinha, mais tarde fui entender, me dizia com sua metáfora baiano-barroca que a cada um cabe cuidar da própria vida (a própria vida, não a dos outros!) e que, cuidando de viver, não se morre. Não era um heroi, muito menos de epopeia, mas Quincas, morto-vivo e beberrão, me fez gostar de ler livros.
Este blog vai tratar de livros, sejam físicos, digitais, líquidos ou gasosos. E também de editoras, livrarias, prêmios e festas literárias. Para quem lia já o meu “Painel das Letras”, será bastante parecido, quem sabe até um pouco melhor, assim espero e conto com você, leitor."
do blogue Livros Etc, de Josélia Aguiar, no jornal Folha De S. Paulo: http://livrosetc.blogfolha.uol.com.br/2012/02/10/cada-qual-cuide-do-seu-enterro/