segunda-feira, 25 de outubro de 2010

poesia, poesia sempre

Sintra

Perdi a conta do tempo que fiquei a vasculhar, online, o acervo de poesias do site da Casa Fernando Pessoa.

Deixo o link (http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=2241) e deixo também esses versos de Álvaro de Campos "ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra":

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas seguir?

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,
Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.
Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem consequência,
Sempre, sempre, sempre,
Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma,
Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida…

Maleável aos meus movimentos subconscientes no volante,
Galga sob mim comigo, o automóvel que me emprestaram.
Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita.
Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo!
Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas!
Quanto que me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!

À esquerda o casebre — sim, o casebre — à beira da estrada.
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado,
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.

À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.
A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.
Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.
Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real.
Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da cozinha
No pavimento térreo,
Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,
E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que me perdi.
Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel emprestado que eu guio?

Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero…
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo
sem vê-lo,
À porta do casebre,
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,
O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida.

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim…

11 - 5 - 1928

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Cinematographo - João do Rio

Há uns anos, no Rio, comprei uma edição em formato pocket de um livro de crónicas de João do Rio intitulado A Alma encantadora das ruas. É claro que eu, flâneur inveterada, não poderia resistir a esse título e ao que ele parecia prometer - eu ainda não conhecia as crónicas do João.
Já em Portugal, mostrei o meu exemplar a um amigo, editor independente, que idealizou um projecto editorial - ainda não concretizado - em torno das crónicas do autor, incluindo alguma coisa que ele publicara no Porto.
Tempos depois, ele me ofereceu este Cinematographo, edição de 1909 da Livraria Chardron, actual Lello & Irmão, no Porto.
Trago as fotos da capa, pela encadernação, e da folha de rosto.
E repito a foto, já publicada neste blogue, da então Livraria Chardron na altura da edição do Cinematographo.




terça-feira, 19 de outubro de 2010

começando a ler Travessuras da Menina Má




Logo que saiu a notícia do Nobel de Literatura para Vargas Llosa, houve naturalmente muitos comentários sobre a obra do autor e as preferências de cada um por este ou aquele livro. Em conversa com amigos, surgiram alguns nomes mas principalmente dois deles: Conversa na Catedral e Travessuras da Menina Má.
O primeiro, comprei há pouco tempo, numa feira de sebos (alfarrabistas) no Largo do Machado, no Rio. Mas ainda não li. A edição (7ª) é de 1987, publicada pela editora Francisco Alves, com tradução de Olga Savary (nome em destaque no rodapé da capa). Logo abaixo do nome do autor, o anúncio de que o livro recebeu o Prémio Ernest Hemingway 1985.
Trouxe o livro na bagagem, junto com outros que ganhei, todos à espera cada um da sua vez.
Entretanto, outro passou à frente. É engraçado como o boca a boca funciona. Registei as impressões e opiniões alheias e, saindo do supermercado, passando em frente à livraria Bulhosa, entrei e simplesmente comprei, sem pestanejar, o meu exemplar de Travessuras da Menina Má.
O facto é que tenho me deliciado, mesmo estando nas primeiras quarenta e poucas páginas, com a narrativa e todas as suas referências locais e nomes e caracterizações dos personagens. Sem falar que houve um dado inesperado que me cativou: a grande semelhança entre o temperamento de uma das personagens e o de uma amiga. Toda a caracterização inicial, física e psicológica, de uma das "chileninhas" me fez reconhecer, desde o princípio, esta pessoa real que conheço já lá vão tantos anos.
Não tenho qualquer suspeita do que virá a seguir. E nem tenho pressa que tudo se revele de uma vez. Prefiro manter o mesmo ritmo de leitura e ir descobrindo aos poucos o que terá Vargas Llosa engendrado, com sua maestria, para estar a conquistar a mim também.

Da contracapa:

"Ricardo vê cumprido, muito cedo na vida, o sonho que sempre alimentara de viver em Paris. Mas o reencontro com um amor da adolescência mudará tudo. Essa jovem inconformista, aventureira, pragmática e inquieta arrastá-lo-á para fora do estreito mundo das suas ambições.
Criando uma admirável tensão entre o cómico e o trágico, Mario Vargas Llosa joga com a realidade e a ficção para dar vida a uma história na qual o amor se nos revela indefinível, senhor de mil caras, tal como a menina má.
Paixão e distância, sorte e destino, dor e prazer...
Qual o verdadeiro rosto do amor?"

21 de Novembro. Um mês a ler o livro. Terminei hoje. Um mês por minha culpa (porque leio sempre pelo menos dois livros ao mesmo tempo), nunca por culpa do livro de Vargas Llosa, que li com grande prazer. Agora já estou a sentir falta do Ricardito, da chileninha, das piroseiras, da doçura e constância do amor do menino bom. Em algum momento até me fez recordar O Amor no tempo do cólera, um dos meus livros preferidos de Gabriel García Márquez e um dos meus livros preferidos desde sempre.

Travessuras da Menina Má
Mario Vargas Llosa
5ª edição
376 pp
Publicações Dom Quixote
Lisboa, Outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

encadernação - técnica e arte



"Todo o livro requer uma minúcia apaixonante para quem dele trata, e ainda nos dias de hoje se adquirem técnicas e materiais oriundos da Idade Média, a prensa, o martelo, as agulhas, as tesouras, e a cola, com a particularidade desta cola ser feita com água e farinha de trigo, adicionada com vinagre, que é fervida e apura-se uma pasta viscosa, a que nós chamamos de "massa".
Toda esta técnica e materiais torna viva e duradoura no tempo a arte de trabalhar o livro.
Esta encadernação ainda utiliza as técnicas dos primeiros encadernadores dos séculos XVII e XVIII , onde os livros eram empastados com capas de couro (bezerro) e geometricamente traçados a ouro.
Nós utilizamos estas técnicas contrariando a história, que refere a sua extinção!
Para quem nos visita pode recuar no tempo, e descobrir esta arte que deve prosseguir no futuro!

Carlos Simões"

Do blogue da Encadernação Florindo & Costa: http://encadernacao-leiria.blogspot.com/

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

HHhH (Himmlers Hirn heißt Heydrich)

Praga

Há bem pouco tempo li um livro que me fez viajar de muitas maneiras - para um lugar, para uma época, para dentro de um episódio da História, para dentro da vida de um país no centro da Europa: a República Checa (naquele tempo ainda Checoslováquia).


HHhH é um dos mais interessantes livros que li nos últimos tempos. Narrado em 1ª pessoa (o próprio autor, Laurent Binet), conta um episódio marcante da II Guerra Mundial, durante o período em que Praga tornou-se um dos mais temíveis centros do poder nazi.
Se me perguntarem se é romance histórico, história romanceada, história pura e simples, eu direi que não é nenhuma destas opções - sendo, ao mesmo tempo, um pouco de tudo. Inclusive literatura.



Acontece que o autor está envolvido, diria mesmo 'enredado', naquilo que conta; quase que menos como autor, e mais como se fora uma testemunha. Ao lado daqueles factos ocorridos no ano de 1939, ficamos a saber da viagem do autor a Praga nos dias recentes, viagem destinada sobretudo à pesquisa para o livro. E começa então a outra longa e difícil viagem: a viagem do escritor que quer contar a sua história, e que pelo meio vai construindo e desconstruindo a sua forma de contá-la. Para mim, esse foi um dos grandes trunfos do livro: como leitora, perceber as idas e vindas do autor para narrar uma história verídica - e dramática -, sem ser um historiador, nem ficcionista. Mas sim um hábil contador da história.

Leia um trecho (pp. 19-20): aqui neste mesmo blogue

HHhH - Operação Antropóide
Laurent Binet
1º Prémio Goncourt 1º Romance 2010
Revelação 2010 - Revista Lire
Tradução do francês por Manuela Torres
300 páginas
Sextante Editora, Abril de 2011

O livro estará nas livrarias este mês de Abril, em Portugal, pelo selo da Sextante.
E garanto que quem o ler vai desejar ir a Praga logo a seguir. Eu já fui, e agora desejo voltar.

Prémio Nobel de Literatura 2010

Mario Vargas Llosa


"In the last few years, something curious has happened. I’ve noticed that I’m reading less and less by my contemporaries and more and more by writers of the past. I read much more from the nineteenth century than from the twentieth. These days, I lean perhaps less toward literary works than toward essays and history. I haven’t given much thought to why I read what I read . . . Sometimes it’s professional reasons. My literary projects are related to the nineteenth century: an essay about Victor Hugo’s Les Misérables, or a novel inspired by the life of Flora Tristan, a Franco-Peruvian social reformer and “feminist” avant la lettre. But then I also think it’s because at fifteen or eighteen, you feel as if you have all the time in the world ahead of you. When you turn fifty, you become aware that your days are numbered and that you have to be selective. That’s probably why I don’t read my contemporaries as much."

Link para a entrevista completa ao The Paris Review (1990): http://www.theparisreview.org/interviews/2280/the-art-of-fiction-no-120-mario-vargas-llosa

quarta-feira, 6 de outubro de 2010


O "Gauchão de Literatura" (Campeonato Gaúcho de Literatura), inspirado no esquema futebolístico, promove partidas entre livros de escritores gaúchos ou radicados no Rio Grande do Sul. O objectivo é promover o debate sobre a produção local e estimular a leitura e o consumo da literatura do RGS.
O "juiz" convocado tem a responsabilidade de ler os dois livros, elaborar uma resenha crítica e realizar a avaliação final do "jogo", incluindo um "placar".

Uma pequena amostra:

"Atalhos [cenas brasileiras], de Luís Dill e Um guarda-sol na noite, de Luiz Filipe Varella. Atalhos versus Guarda-sol. Os times se alinham à beira do gramado para o hino rio-grandense (Como a aurora precursora do farol da divindade…). Todos alinhados, a diferença entre uniformes causa constrangimentos à tribuna de honra. O minimalismo elegante da equipe Guarda-sol em intenso contraste com o tradicionalismo utilitarista da equipe Atalhos. Vitórias são conquistadas nos noventa minutos, ainda bem, não na apresentação dos times. Embora, o cronista deve confessar, a questão estética não seja descartável: a leitura do jogo teria sido melhor se todos os lances da equipe Atalhos fossem vistos sobre páginas de papel pólen bold, que ajudam muito a leitura noturna à luz de refletores.
(...)
O esquema de jogo da equipe Guarda-sol segue poucas variações formais: contos, microcontos e os inevitáveis, e improfícuos, exercícios de linguagem. São narrativas cheias de personagens mergulhados na própria introspecção, distantes do mundo, às vezes frios. Alguns carregam consigo uma semente que, se bem regada, poderia crescer numa formidável psicopatia à Edgar Allan Poe – este, uma grande influência sobre o técnico Varella.

As 23 narrativas em Um guarda-sol na noite são literárias. É estranho e óbvio este comentário? Bem, dizer isso das 23 narrativas da equipe Guarda-sol não é tão estranho assim, porque, em comparação, o esquema de jogo da equipe Atalhos não segue a mesma uniformidade."



Para saber mais, vá ao link: http://gauchaodeliteratura.wordpress.com/

o objecto livro (com suas capas) nas nossas mãos



























(as fotos dos livros de Camus, Dylan Thomas e James Joyce foram tiradas do blogue de David Mendes)

Umberto Eco responde


The Paris Review entrevista Umberto Eco

“I suspect that there is no serious scholar who doesn’t like to watch television. I’m just the only one who confesses. And then I try to use it as material for my work. But I am not a glutton who swallows everything. I don’t enjoy watching any kind of television. I like the dramatic series and I dislike the trash shows. ”

Leia a entrevista completa em: http://www.theparisreview.org/interviews/5856/the-art-of-fiction-no-197-umberto-eco

sábado, 2 de outubro de 2010

A Palavra degradada

(tirado do Ex-Blog do Cesar Maia, que recebo por e-mail)


"Trechos do artigo de Santiago Kovadloff no La Nacion (24).

A interdependência entre linguagem, moral e política se mostra, desde sempre, como um fato indiscutível. George Steiner pôde constatar "as pressões exercidas pela decadência cultural sobre a linguagem". Desde o início dos anos 60, advertiu que "os imperativos da cultura e da comunicação de massa têm forçado a linguagem a desempenhar papéis cada vez mais grotescos." A obscenidade do grotesco consiste em sua ostentação; na exposição da vulgaridade como um bem.

Líderes políticos incorporam em seu vocabulário a grosseria e a insolência como se não fossem ou, ainda pior, como se fossem dignos de divulgação. Abertamente e com frequência cada vez maior, fazem eco deste fascínio pela grosseria verbal, esforçando-se em apresentá-la como uma garantia de autenticidade e proximidade com seu público. A brutalidade, o ordinário e o grotesco foram pavimentando o caminho para algo ainda pior: o movimento progressivo de todos os tipos de violência verbal.

(...)

Assim não incentiva o debate, mas sim o maniqueísmo. A discordância necessária se transforma, sob o seu peso, em confrontação. E o confronto, em seu caso, em uma prática voltada para o extermínio do adversário. A degradação do idioma, em boa parte dos políticos, reflete a magnitude alcançada pela perda do valor das investiduras. Tão difundida é essa degradação que seria injusto supor que o oficialismo tem o monopólio da degradação da linguagem. Mas é inegável que em suas fileiras esta prática encontra uma maior aceitação.

(...)

Andar pelas ruas, avenidas e vias é, há muito, um risco radical. Freqüentar livremente o caminho das palavras começa a ser também."

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