quarta-feira, 21 de julho de 2010

os livros, os autores e os editores

Tirado do blogue da Companhia das Letras. Escrito por André Conti, editor da Companhia das Letras.

“O sr. pode confimar se essa frase em francês está certa?” (Foto de Henry James por William M. Vander Weyde)

"Quando comecei a trabalhar com os livros da Penguin, a primeira reação foi de alívio: por se tratar de um selo dedicado a clássicos em domínio público, meu autor mais jovem teria morrido, pelo menos, em 1939.

Não entendam errado, gosto de trabalhar com autores vivos. Em sua imensa maioria, eles querem o mesmo que o editor: o livro bem-feito, a capa bonita, o lançamento no prazo. E alguns acabam até por se tornar bons amigos.

Mas a edição de um livro é também um momento difícil na vida de qualquer autor — uma espécie de limbo entre a entrega dos originais e o momento da publicação —, muito propício a crises de ansiedade, insegurança e, aqui e ali, de loucura generalizada.

E o autor vivo também acarreta ansiedade no editor: aquele livro prometido em 2007, no qual você depositou todas as suas expectativas, e que simplesmente não aparece na caixa de entrada. Ou a capa que você gostou, mas que acaba recusada sabe-se lá por quê. E mesmo alguns autores estrangeiros já colaboraram para o meu envelhecimento precoce.

De modo que a oportunidade de trabalhar com os mortos e, em especial, com os mortos há muitos séculos — sem herdeiros, espólio, agentes — pareceu uma barbada. O trabalho em si era o mesmo: achar tradutores bons, cuidar do texto, escolher capa, resolver as dezenas de problemas que cada livro apresenta. A diferença é que as decisões caberiam agora ao Matinas Suzuki (coordenador da empreitada Penguin) e a mim, e não a um autor temperamental, pronto para reescrever o capítulo doze no último minuto.

Ótimo, então. Vamos fechar os livros.

A saudade dos meus autores vivos bateu imediatamente. Porque com os vivos, mesmo os neuróticos, podemos tirar dúvidas. Confirmar trechos mais cabeludos. Fazer sugestões. No caso dos clássicos, para se tirar uma dúvida é preciso recorrer à fortuna crítica da obra. E os acadêmicos, como se sabe, raramente concordam entre si. Mais: alguns desses livros têm séculos de idade, e o próprio idioma original já se transformou. Uma palavra que tinha um determinado sentido na época em que o livro saiu, hoje pode ter se transformado completamente. Quem responde por isso?

O crédito vai ao esforço monumental dos tradutores, que não raro se embrenham em biografias e estudos críticos sobre os autores que estão traduzindo. Pois é preciso também conhecer o contexto em que a obra foi escrita. Assim, uma frase que pode soar estranha aos ouvidos modernos tem uma justificativa histórica para ficar daquela maneira. O fato é que, ao contrário dos autores vivos, não podemos simplesmente telefonar para o Henry James e confirmar se aquela frase em francês está mesmo correta (estava).

Em outros livros, você descobre que justamente o trecho que empacou tudo, e para o qual você buscava uma resposta desde janeiro, vem sendo discutido há décadas, sem nenhuma espécie de consenso ou definição. Nesses casos, há algumas opções: recorrer a edições críticas da obra, levantar a dubiedade do trecho em uma nota de rodapé ou, a minha preferida, chorar copiosamente.

Acho que não existe autor perfeito, e nem editor. Um livro é um bicho com dezenas de cabeças, um problema resolvido leva ao surgimento de outros doze, e é preciso um pouco de paciência até que tudo se acerte. Em se tratando de autores vivos, às vezes é fácil, às vezes dá briga, mas podemos sugerir coisas, dirimir dúvidas, tomar uma cerveja em comemoração ao lançamento. Com os mortos, não há reclamação do autor. Todavia, há séculos de leituras sobre a obra, dezenas de especialistas que entendem mais do que você do assunto, enfim, o chamado escrutínio da rapaziada.

No fim, o mais importante é que nada disso — as discussões, os problemas, as dúvidas — transpareça no livro. Dentro da obra, é fundamental que o editor seja invisível. Fora, você pode ver um punhado deles por aí, chorando pelos cantos, abraçados na gramática do Bechara e falando em gerúndios."

quarta-feira, 14 de julho de 2010

pechisbeque

Aqui em Portugal há uma infinidade de palavras que as pessoas utilizam normalmente e que não dizemos no Brasil. Pechisbeque, por exemplo. Jamais daria pelo seu significado se não me tivessem explicado, mas sempre tive curiosidade sobre a sua etimologia.
Hoje encontrei de novo a palavra, e resolvi enfim ir ao dicionário para descobrir a sua origem:

1. liga de cobre e zinco que imita o ouro; ouro falso
2. objecto de pouco valor
3. brilho inautêntico, mistificação, deslumbramento gratuito
Etim. Christopher Pinchbeck (1732, relojoeiro inglês)
Outras formas: pichisbeque, pinchebeque, pixisbeque - e hoje: pechisbeque.


No Brasil dizemos "bijuteria", do francês bijouterie:
1- ramo da ourivesaria que trabalha com metais que imitam o ouro e a prata no fabrico de peças de fantasia
2- Bijouterie = joalheria
3- Bijoutier = joalheiro

terça-feira, 13 de julho de 2010

antes do nome


















Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrenquentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.


Bagagem
Adélia Prado
2ª edição
Editora Nova Fronteira
Rio de Janeiro, 1979
p. 25

segunda-feira, 12 de julho de 2010

enfim, Daphne


Revi as primeiras provas ainda em Março, antes de uma longa sequência de providências que fazem parte da produção de um livro até à sua publicação. O livro foi publicado em Maio, mas somente agora tenho nas mãos o meu exemplar de Daphne, um dos trabalhos que mais gostei de fazer nos últimos tempos, pela história muito bem conduzida e pela excelente tradução.

Sinopse: "Estamos em 1957. A escritora Daphne du Maurier, no auge da carreira e da fama, desespera face ao colapso do seu casamento. Vagueando sem descanso Menabilly, a sua adorada casa junto ao mar, na Cornualha, é assombrada pelo remorso e pelas personagens dos seus livros, nomeadamente Rebecca, a heroína do mais famoso dos seus romances. Ao procurar alguma coisa que a distraia dos seus problemas, Daphne interessa-se apaixonadamente por Branwell, o infeliz irmão das irmãs Bronte, e inicia uma troca de correspondência com o enigmático Alex Symington, procurando elementos para uma biografia de Branwell. Mas, por detrás da respeitável figura de Symington está um carácter escorregadio com muito para esconder, e depressas a verdade e a ficção se tornam impossíveis de distinguir.

Daphne é uma história de obsessão e posse; de manuscritos roubados e assinaturas forjadas; de amor perdido e amor encontrado."

Daphne
Justine Picardie
Tradução de Mário Dias Correia e Maria da Graça Bertal
Publicações Dom Quixote
Maio de 2010
Lisboa
340 pp

domingo, 11 de julho de 2010

Quanto Setembro vier: autores lusófonos em e-books

Li no blogue Estante de Livros que já se anuncia para Setembro o acesso a livros de autores lusófonos através dos ebooks. Trata-se de autores publicados por editoras do Grupo Leya, como António Lobo Antunes, José Saramago, Francisco Camacho, Maria Dulce Cardoso e muitos outros. Para saber mais, vá a LeYa com plataforma de e-​books em Setembro

sábado, 10 de julho de 2010

filosofando...


"Só sei que nada sei." Sócrates (469-399 a.C.)




desabafo entre vírgulas e pronomes

(...) "operários, camponeses e intelectuais de mãos dadas, avante, esta vírgula aqui, ponho ou não ponho, sei lá, que porra, a merda da vírgula, isto das vírgulas, e sei lá se é cujo ou se é que, isto dos pronomes, relativos ou sei lá o quê, ando à volta com as vírgulas e os pronomes, merda, essa coisa de escrever, já me gozaram, foi por causa de uma merda de uma vírgula ou de um pronome, vão gozar com a puta que os pariu, reaccionários, a vírgula e o pronome, hei-de lixá-los." (...)

tirado do livro Tempo Adiado, de Paula de Sousa Lima
Edições ASA
Setembro de 2009
p. 51

trabalhar com o autor

Esta semana entreguei um trabalho que posso referir como o mais difícil que já fiz. A primeira dificuldade foi trabalhar diretamente com o autor, e nós sabemos - autores, editores e revisores - que esta não costuma ser uma relação fácil. O autor tem razões que o revisor "desconhece" - e vice-versa.
Por todos os motivos a intermediação do editor é muito importante, e é o que acontece na grande maioria das vezes; mas acontece, também, de termos de lidar com situações em que este moderador não está presente.
O autor tem uma muito compreensível e forte ligação com aquilo que produziu: o seu livro. O revisor tem um compromisso profissional e um desejo de perfeição e adequação. Mas a questão é que, pelo meio, surgem as incertezas, as imperfeições, as limitações de cada um. Não é simples...

Acrescente-se ainda o nível de exigência do texto. Num texto erudito, com inúmeras referências e citações, e cujo contexto nos remete para outros séculos, há que ter uma atenção redobrada ou mais que isso: exige leituras e releituras; exige pesquisa atenta.

Foi, enfim, um desafio desses raros que acontecem, mas foi também um prazer de ler. E motivo de muito aprendizado. Fui obrigada mais uma vez a recordar que, como em todas as atividades humanas, também em revisão de texto não há certezas: as normas mudam, conforme o tempo e o lugar, e porque a língua é mutável. Quase nada é definitivo, ou automático; e tudo pode e deve ser repensado, averiguado, confirmado.
E, sobre tudo isso, há, ainda e sempre, a vontade soberana do autor; a sua 'licença poética', que é só dele e de mais ninguém.

terça-feira, 6 de julho de 2010

(a nova) Biblioteca de Alexandria




Inaugurada em 2002, próximo ao local da antiga biblioteca de Alexandria, uma das maiores bibliotecas do mundo antigo e fundada, segundo consta, no início do
século III a. C.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Jerusalém, de Gonçalo Tavares

Não entrei logo no livro. Foram necessárias as primeiras vinte páginas para eu não conseguir mais largar Jerusalém; a partir daí me deixei levar até à última linha quase sem pausas.



(...) "trabalhava parte do dia numa clínica do Estado e à tarde dirigia-se à biblioteca central para recolher documentação para o seu estudo que visava entender o horror e a História, e com isso os homens. Ele queria captar o conceito de saúde de uma forma mais vasta: a saúde mental da humanidade, do conjunto dos homens, a saúde mental da cidade enquanto agrupamento organizado e eficaz na restrição da violência. Conhecer a saúde mental da História, era esse o objectivo final do seu projecto de investigação."
(...)
"Se percebesse como a História pensava, se a encarasse como um organismo com cérebro, e se chegasse por via da documentação e da investigação a gráficos e fórmulas que explicassem os acontecimentos dos séculos, Theodor chegaria ao que milhares de homens - pequenos e grandes, violentos ou pacíficos - haviam tentado: dominar a História."

Jerusalém
Gonçalo M. Tavares
7ª edição
Editorial Caminho
Março de 2008
256 pp



Prémio José Saramago
Prémio LER/Millenium-BCP
Prémio Portugal Telecom de Literatura 2007

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