foto © Maureen Bisilliat
domingo, 29 de junho de 2014
terça-feira, 24 de junho de 2014
segunda-feira, 23 de junho de 2014
Ingeborg Bachmann
Medos (1945)
E o que é que vai ficar?
Suspiro, sofro, busco,
e minhas caminhadas
nunca findarão.
A sombra escura
que já persigo desde o começo
leva-me a profundas solidões invernais.
Lá eu fico quieta (…).
Fantasmas azuis saltam para o aposento.
Os que partiram, perdidos diante de mim,
Exigem como homens um antigo direito.
Agora são pagos com flores
que viram muitos verões
e que neste inverno caem irrompendo.
As árvores aninham frio diante de si
e lágrimas, que me atraiu o brilho da lua,
pendem no gelo como espigas secas.
Assim, como ali, sobre o iceberg,
os há muito falecidos escorreram seu sangue,
eu os sigo, para fazer o mesmo.
Ouço os séculos em minha direção
E não quero estar lá apagada inteira.
A sombra, que tão longe quer ir,
tento oprimir com meu rastro
apenas temendo desperdiçar-me
em vão.
(Do espólio – Tradução Claudia Cavalcanti)
Uma espécie de perda
De uso comum: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as xícaras de chá, a cesta de pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Uma ordem doméstica respeitada. Dito. Feito. E sempre a mão estendida.
Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por verões.
Por mapas, por um canto na montanha, por uma praia e por uma cama.
Mantive um culto a datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei um algo e fui devota de um nada,
(- do jornal dobrado, das cinzas frias, do papel com uma anotação)
sem temer a religião, pois a igreja era essa cama.
Minha inesgotável pintura surgiu de olhar o mar.
Da varanda saudava os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, meus cabelos tinham sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme para minha alegria.
Não foste tu que perdi,
mas o mundo.
"uma tradução é um outro livro" (Thomas Bernhard)
sexta-feira, 13 de junho de 2014
a arte da tradução
"Translation is an art in its own right. I wouldn't dare to translate,
although I am fluent in Romanian. For translation doesn't mean just
replacing, i.e., finding a familiar word in your own language to
substitute for a word in a foreign language. The word has to match,
which is much more difficult. A translator has to recreate the sound of
the original. The art of translation is looking at words in order to see
how those words see the world. Translation requires an inner urgency
that will make that which is different as close to the original as
possible. Finding this eye-to-eye contact is extremely difficult. It is a
great art."
>> The Space between Languages
>> The Space between Languages
domingo, 1 de junho de 2014
Thomas Bernhard (algumas fotografias)
em 1933, com sua mãe, Herta
em 1943, como o avô, o escritor Johannes Freumbichler
em 1956
em 1957
como o avô, num de seus frequentes passeios juntos
A vulgarização da literatura brasileira contemporânea
Texto de Alexandre Coslei para "Observatório da Impreensa" (AQUI):
Por esses dias discutiu-se tanto a popularização dos textos de Machado de Assis que quase alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a obra de Machado objetivando a imposição de um vocabulário simplório, que esteja ao alcance do público menos letrado, é somente um reflexo de uma literatura contemporânea açoitada pelas mãos de editoras que escolheram transformar a arte em cifras lucrativas. Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje publicam o que vende, e não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E qual a literatura que demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os livros sobre vampiros brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e demônios, violência sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas de páginas descrevendo litorais e personagens sem sal.
O que surpreende é a complacência cúmplice de muitos críticos com a subliteratura e raiva revanchista contra quem imagina poder atualizar um clássico literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional do Brasil abriu espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo industrial, mas pouco se importam com estética, pois estão voltados para os quinze minutos de fama e buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às vezes, contam com competentes empresários que abrem as portas da mídia e transformam o que é oco em celebridade, pois no mercado atual é a celebridade que vende. Tal realidade nos remete ao arquétipo explicitado no filme Muito além do Jardim, onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter Sellers) era interpretado como genial.
Por que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar os nichos literários criados compostos de livros caricatos lançados para conquistar jovens e limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar amplitude inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.
Clássicos sem herdeiros
Toda literatura é válida, mas as que devem ganhar visibilidade são aquelas que os editores compreendem como comerciais. É assim que se configura o presente mercado editorial brasileiro. O autor a ser valorizado é o que se comporta como um bom gerente de contas e cumpre boas metas de venda com o seu produto. É este o autor que as editoras inserem na mídia, para eles negociam a condescendência de uma parte da crítica e a partir deles criam a farsa do merchandising.
Numa nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser reescrito para vender e os autores de sucesso desfilam a face mais pueril e vulgar da literatura em programas de entrevistas e nos caderno culturais dos nossos periódicos. Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou aquela sentença magnífica de Brás Cubas, um ato profético:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Assim, nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo visto, se transformando em hieróglifos a serem decifrados.
Por esses dias discutiu-se tanto a popularização dos textos de Machado de Assis que quase alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a obra de Machado objetivando a imposição de um vocabulário simplório, que esteja ao alcance do público menos letrado, é somente um reflexo de uma literatura contemporânea açoitada pelas mãos de editoras que escolheram transformar a arte em cifras lucrativas. Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje publicam o que vende, e não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E qual a literatura que demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os livros sobre vampiros brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e demônios, violência sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas de páginas descrevendo litorais e personagens sem sal.
O que surpreende é a complacência cúmplice de muitos críticos com a subliteratura e raiva revanchista contra quem imagina poder atualizar um clássico literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional do Brasil abriu espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo industrial, mas pouco se importam com estética, pois estão voltados para os quinze minutos de fama e buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às vezes, contam com competentes empresários que abrem as portas da mídia e transformam o que é oco em celebridade, pois no mercado atual é a celebridade que vende. Tal realidade nos remete ao arquétipo explicitado no filme Muito além do Jardim, onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter Sellers) era interpretado como genial.
Por que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar os nichos literários criados compostos de livros caricatos lançados para conquistar jovens e limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar amplitude inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.
Clássicos sem herdeiros
Toda literatura é válida, mas as que devem ganhar visibilidade são aquelas que os editores compreendem como comerciais. É assim que se configura o presente mercado editorial brasileiro. O autor a ser valorizado é o que se comporta como um bom gerente de contas e cumpre boas metas de venda com o seu produto. É este o autor que as editoras inserem na mídia, para eles negociam a condescendência de uma parte da crítica e a partir deles criam a farsa do merchandising.
Numa nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser reescrito para vender e os autores de sucesso desfilam a face mais pueril e vulgar da literatura em programas de entrevistas e nos caderno culturais dos nossos periódicos. Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou aquela sentença magnífica de Brás Cubas, um ato profético:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Assim, nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo visto, se transformando em hieróglifos a serem decifrados.
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