sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
sábado, 10 de janeiro de 2015
de novo e sempre a língua portuguesa e o uso que fazemos dela
«Faz pouco tempo, jornalistas ainda escreviam e falavam em português.
Isso foi antes do deslumbramento populista com a tal “língua viva”, uma
espécie de alforria para cada um poder transformar o Português numa
espécie de livre-patuá, que pode incorporar desde jargões ridículos de
categorias profissionais até falta de concordância verbal e regência
errada.
É claro que a língua é viva, vai mudando ao longo do tempo. Mas como todo espectador de “Walking dead” sabe, ser vivo é diferente de ser morto-vivo. Um zumbi nem articula língua nenhuma. É por isso que hoje a gente vê/lê jornalistas dizendo que a “aeronave” caiu no Mar da China. Mas, em português de gente, o que caiu foi um avião.
Quando jornalista ouve o PM falar em “viatura”, ele deveria transformar isso em carro de polícia. Mas raros o fazem. E a língua precisa é fundamental para se transmitir informação.
Se a Dilma fala uma daquelas frases sem sentido, ela não está “sinalizando” nada. Ninguém sabe onde foi parar o verbo “indicar”? E por que todos estão dizendo que o Planalto “avalia” que a base aliada é inimiga? Por que o Planalto não conclui a mesma coisa?
Quando o jornalista ouve um delegado dizer que existem “provas robustas” contra o acusado, ele deve jogar esse “robustas” no lixo e escrever que as provas são consistentes, contundentes ou mesmo que são muitas. Mas o “robustas” está frequentando texto de jornais, passagens de repórteres de TV e cabeças de âncora de telejornais.
A mesma coisa quando se entrevista um médico dizendo que o pobre defunto “fez” um aneurisma “importante”. O verbo “fazer”, em algum lugar do senso comum, pressupõe a vontade do defunto de ter sofrido o aneurisma – que certamente inexistiu. E “importante” carrega conotação positiva que não combina com a fama de maus dos aneurismas.
Jornalistas (sérios) há pouco tempo tinham um certo orgulho de conseguir manter distância e (consequente) isenção dos entrevistados. Em que trecho do caminho todos passaram a reproduzir cegamente jargões e vícios de categorias profissionais, ou mesmo de quem fala errado? Canso de ler e ouvir que Pelé “segue” internado na UTI. “Segue”, nessa acepção usada, não é português. Por que estão todos aderindo a esse espanholismo (“sigue”) quando nossos queridos continua e permanece estão aí dando sopa?
Economistas e profissionais de RH também são mestres em impregnar a mente dos repórteres com bobagens poluidoras do texto jornalístico de quem não tem mais o menor compromisso em zelar pela “última flor do Lácio, inculta e bela”. E é um tal de inflação “impactando” os salários, “resgatando” a ideia do gatilho (que não foi sequestrado...) e “agregando” sem nenhum objeto direto, como se fosse um verbo intransitivo...
Artistas parecem ter aprendido com esses aí de cima. Outro dia num jornal alguém “revisitava” a obra de outro com um “recorte” (eita palavrinha pernóstica que acabou indo pro título...) contemporâneo. Eu já decidi: quando vejo em jornal, TV ou internet que uma peça ou exposição estão “revisitando” alguma coisa com “recorte”, “um olhar” ou “por um viés” assim ou assado, prefiro ficar em casa. Se na reportagem o jornalista reproduz do entrevistado também as palavras “ocupação”, “desconstrução”, “ruptura” ou diz que as obras são “fronteiriças”, fico me perguntando para que serve uma faculdade de Jornalismo. E se arte é só essa discussão besta e limitada por um universo vocabular tão diminuto e cafona.»
Texto de Milton Abirached, no Facebook.
É claro que a língua é viva, vai mudando ao longo do tempo. Mas como todo espectador de “Walking dead” sabe, ser vivo é diferente de ser morto-vivo. Um zumbi nem articula língua nenhuma. É por isso que hoje a gente vê/lê jornalistas dizendo que a “aeronave” caiu no Mar da China. Mas, em português de gente, o que caiu foi um avião.
Quando jornalista ouve o PM falar em “viatura”, ele deveria transformar isso em carro de polícia. Mas raros o fazem. E a língua precisa é fundamental para se transmitir informação.
Se a Dilma fala uma daquelas frases sem sentido, ela não está “sinalizando” nada. Ninguém sabe onde foi parar o verbo “indicar”? E por que todos estão dizendo que o Planalto “avalia” que a base aliada é inimiga? Por que o Planalto não conclui a mesma coisa?
Quando o jornalista ouve um delegado dizer que existem “provas robustas” contra o acusado, ele deve jogar esse “robustas” no lixo e escrever que as provas são consistentes, contundentes ou mesmo que são muitas. Mas o “robustas” está frequentando texto de jornais, passagens de repórteres de TV e cabeças de âncora de telejornais.
A mesma coisa quando se entrevista um médico dizendo que o pobre defunto “fez” um aneurisma “importante”. O verbo “fazer”, em algum lugar do senso comum, pressupõe a vontade do defunto de ter sofrido o aneurisma – que certamente inexistiu. E “importante” carrega conotação positiva que não combina com a fama de maus dos aneurismas.
Jornalistas (sérios) há pouco tempo tinham um certo orgulho de conseguir manter distância e (consequente) isenção dos entrevistados. Em que trecho do caminho todos passaram a reproduzir cegamente jargões e vícios de categorias profissionais, ou mesmo de quem fala errado? Canso de ler e ouvir que Pelé “segue” internado na UTI. “Segue”, nessa acepção usada, não é português. Por que estão todos aderindo a esse espanholismo (“sigue”) quando nossos queridos continua e permanece estão aí dando sopa?
Economistas e profissionais de RH também são mestres em impregnar a mente dos repórteres com bobagens poluidoras do texto jornalístico de quem não tem mais o menor compromisso em zelar pela “última flor do Lácio, inculta e bela”. E é um tal de inflação “impactando” os salários, “resgatando” a ideia do gatilho (que não foi sequestrado...) e “agregando” sem nenhum objeto direto, como se fosse um verbo intransitivo...
Artistas parecem ter aprendido com esses aí de cima. Outro dia num jornal alguém “revisitava” a obra de outro com um “recorte” (eita palavrinha pernóstica que acabou indo pro título...) contemporâneo. Eu já decidi: quando vejo em jornal, TV ou internet que uma peça ou exposição estão “revisitando” alguma coisa com “recorte”, “um olhar” ou “por um viés” assim ou assado, prefiro ficar em casa. Se na reportagem o jornalista reproduz do entrevistado também as palavras “ocupação”, “desconstrução”, “ruptura” ou diz que as obras são “fronteiriças”, fico me perguntando para que serve uma faculdade de Jornalismo. E se arte é só essa discussão besta e limitada por um universo vocabular tão diminuto e cafona.»
Texto de Milton Abirached, no Facebook.
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