RUBEM BRAGA (Cachoeiro de Itapemirim, 12/1/1913 - Rio de Janeiro, 19/12/1990)
 
A outra noite
Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de 
vento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, 
encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em 
cima, além das nuvens, estava um luar lindo, de lua cheia; e que as 
nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, 
colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
— O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra — pura, perfeita e linda.
— Mas, que coisa…
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de 
chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em 
ser aviador ou pensava em outra coisa.
— Ora, sim senhor…
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um “boa noite” e um
 “muito obrigado ao senhor” tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe 
tivesse feito um presente de rei. 
(Rio, setembro, 1959. Do livro AI DE TI, COPACABANA)
LER MAIS sobre Rubem Braga em Monte de Leituras
LER MAIS sobre Rubem Braga em Monte de Leituras

 
 

