segunda-feira, 19 de abril de 2010

um português antigo


Recentemente tive a curiosa - e nova - experiência de rever, para uma reedição, um livro de autor português escrito "à moda antiga" - e com isso quero dizer num português com um ritmo muito próprio, marcado não só por uma pontuação bem presente e por períodos longos, mas também por um certo tipo de vocabulário em que tive a surpresa de encontrar palavras que nunca ouvi no dia a dia aqui em Portugal: escangalhado, por exemplo, entre outras. Em geral ouço aqui as pessoas dizerem 'avariado', e cheguei a pensar que 'escangalhado' era um brasileirismo. Isso só me veio recordar, mais uma vez, que no Brasil falamos um português ainda próximo das suas raízes, facto que a maioria dos portugueses nem imagina...

Mas o mais importante aqui é dizer que às páginas pouco numerosas do livro corresponde um texto exigente na sua forma e admirável em sugestões de leitura. "Constitui uma incursão ficcional no período de consolidação do Estado Novo e da mentalidade que ele representou. Está muito longe de ser um libelo político ou uma obra de tese sobre essa época da vida portuguesa, que corresponde ao princípio da queda do império. É, isso sim, uma narrativa muito bem construída, na qual duas personagens centrais, António e Maria, namoram e casam, vindo entretanto a Lisboa visitar a célebre Exposição do Mundo Português, acontecimento emblemático desse período da História nacional." (José Jorge Letria, in Tempo Livre II, Janeiro de 1993)

Mário Cláudio é autor de uma vasta e multifacetada obra que abarca ficção, crónica, poesia, dramaturgia e o ensaio, tendo sido galardoado com vários prémios entre eles o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio PEN Clube, o Prémio Eça de Queiroz, o Prémio Vergílio Ferreira, o Prémio Fernando Namora e o Prémio Pessoa.


Tocata para dois clarins
136 pp
3.ª edição
Publicações Dom Quixote
Lisboa, 2010

terça-feira, 6 de abril de 2010

por causa do Acordo... ainda!

Desde que li "por aí..." umas pessoas a dizerem mundos e fundos sobre o Acordo Ortográfico, resolvi relançar entre amigos a questão, comentando a dimensão que a coisa alcançou - e com que paixão! E o que pensei que seria uma conversa amena transformou-se em mais um debate acalorado sobre o tema. Enquanto o Acordo não for assimilado, acho que o tema vai ser como futebol em dia de jogo decisivo: é começar a falar e pega fogo logo.
Enfim, depois de muita e muita conversa, que felizmente foi aos poucos amansando, o que ficou foram as dúvidas, ainda tão presentes. Ficámos (ou ficamos?) tanto tempo destacando as diferenças entre "o português de lá" e "o português de cá", que a ficha ainda não caiu: já não há fronteiras??
Brincadeiras à parte, o facto/fato (ambos estão certos em qualquer lado do Atlântico!) é que temos de ler com atenção as novas normas e ficar atentos ao uso da língua no dia a dia (agora, sem hífen); sobretudo nós, revisores, que temos de ser os mais atentos de todos.
Mais que nunca, todo o cuidado é pouco.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

sábado, 3 de abril de 2010

lendo e aprendendo...

Hoje, lendo a fala de um personagem Quaker de um livro que estou a rever para uma reedição, encontrei esta expressão "Praza a Deus", que nunca tinha visto nem ouvido. Não encontrei nos dicionários, então fui ao Ciberdúvidas:

Prazer
é um verbo irregular e defectivo. Significa agradar. Usa-se apenas nas 3.ªs pessoas do singular e no gerúndio: praz, prazia, prazeria, prouve, prouvera, prouvesse, prouver, prazendo. Por ser transitivo indirecto, pede a preposição a: «Prouvera a Deus»; ou: «Se a Deus prouver». Ou ainda: «Praza a Deus».

quarta-feira, 31 de março de 2010

Paulo Leminski - o porquê da poesia

O que é isso de ser revisor?

Texto de Manuel Matos Monteiro
Retirado do Ciberdúvidas de 15/9/2009.

"Ser revisor de textos como principal ocupação profissional é ter uma vida diferente. É ver menos pessoas do que na maior parte dos outros trabalhos. É estar em casa grande parte do tempo. É não ter horários, mas prazos. É gozar do prazer de passar os dias a ler e ainda ser pago por isso. Um revisor é, por imperativo profissional, um leitor omnívoro. Um especialista das engrenagens da língua, desde as suas estruturas maiores até às suas partículas mais ínfimas, aos seus ossinhos e parafusos.

Quem se aventura na revisão deve estar preparado para conviver com a ingratidão. Porque o revisor sabe o quão diferentes são os livros antes de passarem pelas suas mãos. E, contudo, eles têm apenas um lugar minúsculo reservado para si na ficha técnica (quando têm). Ao contrário de um tradutor, o nome do revisor não constitui um chamativo da obra, apesar do acréscimo de valor que dá aos livros que cinzela.

O revisor é, no fundo, o escritor da sombra, o duplo do actor de cinema que entra em cena quando este não está preparado para o salto. Dependendo da margem que as editoras e os autores lhe concedem, dependendo também do seu perfil – mais ou menos intervencionista –, ele pode ser um mero reparador de erros ou alguém que reescreve frases, embelezando-as. Sim, o bom revisor deve amar as palavras. Não ser apenas um engenheiro ou um contabilista das mesmas. Só amando as palavras, as poderá lascar, aparar, envernizar, polir, perfumar.

Seria interessante publicar-se um livro de um grande escritor em estado de pré-revisão, de modo que os leitores compreendessem a importância do revisor.

São necessárias três características para a execução da revisão. Primeira: possuir-se uma boa cultura geral. Quanto mais assuntos se dominar, mais erros de conteúdo se detectará (algumas editoras contratam um revisor científico, à parte do revisor linguístico, para obras mais especializadas). Segunda: ter-se uma elevada capacidade de concentração. Ao rever, é preciso ler simultaneamente com um duplo olhar: o olhar da forma, atento à vírgula que falta, e o olhar do conteúdo, que exclama «eureca!» quando a personagem que era coxa, a certa altura da narrativa, desata a correr mais do que as outras. Um revisor assemelha-se, neste sentido, a um trabalhador numa torre de controlo – a sua concentração tem de ser absoluta e ininterrupta, porque a mínima distracção será fatal. Terceira: conhecer-se as leis e os processos da linguística, e, ainda assim, manter-se sempre a humildade de consultar todos os manuais de gramática e todas as doutas opiniões.

Há um corolário nocivo a que dificilmente qualquer revisor escapará: o seu olhar de leitor será contaminado pelo seu olhar de revisor. A fruição da leitura ressentir-se-á do seu sempre atento olho de lince.

Às vezes, penso que a profissão que mais se aparenta com a do revisor é a do árbitro de futebol. Estranha comparação, dir-se-á em primeira análise. A verdade é que o único aspecto visível do trabalho de ambos é o erro. Dá-se pela existência de tais ofícios apenas quando eles falham."

segunda-feira, 29 de março de 2010


No blog do Kovacs, Mundo de K, não pude resistir a comentar uma matéria sobre a atração que a capa de um livro pode exercer sobre um potencial comprador, e até que ponto ela pode decidir a compra do livro. Lembrei-me, então, da minha atração quase instantânea por um certo livro cuja capa, associada a todo o objecto físico, e à autora, foi um dos sinais mais claros e acertados quanto à satisfação que eu logo depois sentiria ao ler O Amante do Vulcão, de Susan Sontag, edição de 1997 da Quetzal Editores, Lisboa. Capa e arranjo gráfico de Rogério Petinga. Tradução (excelente) de José Lima. 430 pp.

Estimulante e engenhosamente construído, rico em invenções especulativas e enriquecido por um humor saboroso e personagens de grande fascínio, O Amante do Vulcão é um daqueles livros em que se pudéssemos, adiaríamos o fim, para lermos sempre mais um pouco, e mais um pouco...

P. S. Mas afinal, para revelar mais um aspecto importante deste livro, agora a nível pessoal, acrescento que ele reuniu, entre os responsáveis pela sua publicação em Portugal, pessoas que vim a conhecer logo depois que o li, por uma feliz coincidência, e que serão sempre referências de competência para mim, e de boa amizade nas relações que desde então mantivemos. Escrevo este post-scriptum como uma muitíssimo singela homenagem a elas.




sábado, 27 de março de 2010

sempre Drummond

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

(Amar - Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 23 de março de 2010

A Sociedade Invisível



Enquanto espero a publicação de dois livros recentes para comentar, trago este A Sociedade Invisível, que leio para me ajudar a pensar os tempos de hoje. Recebeu os Prémios Espasa Ensaio, Miguel Unamuno e Nacional de Literatura; e a leitura não me tem decepcionado nem um pouco: texto exigente pelo nível de reflexão, mas ao mesmo tempo bem acessível ao leitor interessado no tema. Recomendo.


Da Introdução: (...) "Esta teoria da sociedade invisível aspira, precisamente, a formular uma interpretação filosófica do século XXI, isto é: procurando mais o sentido das coisas que acontecem e menos a acumulação erudita de dados. Mas, ao mesmo tempo, procura entender a nova configuração do mundo sem sacrificar a sua complexidade no altar de uma lei única que pudesse explicar a paisagem social. O estudo da sociedade dá-nos hoje a imagem de um campo desestruturado e não a de um objecto iluminado pelo saber e cujos elementos se inserissem num todo coerente. A crise de determinadas expectativas e evidências deu-nos a possibilidade de perceber de uma maneira mais exacta a configuração dos fenómenos sociais, quanto mais não seja na forma de compreender a dificuldade dessa percepção. É indubitável que vivemos numa sociedade que escapa à nossa compreensão teórica e ao nosso domínio prático em mais inquietante medida que noutras épocas menos perplexas acerca de si próprias."


A Sociedade Invisível - Como observar e interpretar as transformações do mundo actual
Daniel Innerarity
Tradução: Manuel Ruas
236 pp
Editora Teorema
Lisboa, Julho de 2009

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